
Dia 1 do campeonato mundial feminino de snipe.
Estava um dia bonito, de sol, mas sem vento. A comissão de regata subiu a recon (bandeira de retardamento de regata), e ficamos no clube batendo papo. O clima estava ótimo quando o vento entrou. Recon pra baixo, barcos na água.
Chegamos na raia e o vento estava fraco, do tipo que estávamos acostumadas nas velejadas de treino. Testamos a raia (quando você veleja no local da prova) pra saber em qual dos lados tinha mais vento. Decidimos a estratégia.
Um pouco antes do sinal de largada, o vento apertou bastante.
O nervosismo estava grande: primeiro dia, vento forte, um monte de velejadora fera na água.
As regras que combinei com a Paulinha eram:
- Não se machucar.
- Não quebrar o barco.
- Se divertir.
Largamos mal, em vento sujo, e o barco foi ficando pra trás. Tentei fugir mas escolhi o bordo errado. Primeira regata, chegamos lá atrás.
Segunda regata, o vento apertou. O sol que tinha aparecido, se escondeu e nuvens carregadas deixaram tudo escuro. Já eram quase 17:00, pois havíamos esperado bastante no clube.
Largamos mal de novo, e eu não conseguia mais pensar em estratégia, não conseguia ver a regata, não conseguia acompanhar as rondadas do vento. Tinha acionado o modo sobrevivência.
Sentia a Paulinha cansada, as duas estavam sem ritmo. Bateu uma sensação de “o que eu tô fazendo aqui?”. No último popa, num movimento bobo (fui caçar a buja e o cabo escorregou da minha mão) e com ajuda das ondas que aumentaram muito, o barco se inclinou todo pro meu lado. Eu caí do barco tentando segurar em tudo, e a Paulinha ficou. Gritei: pega no leme, e engoli água, mas não deu tempo. O barco virou e emborcou.
Salvei a viseira que tinha ido pra água e nadei até o barco.
Cheguei e encontrei a Paulinha chorando agarrada na bolina. Que dó. Pensei que nunca mais ela ia querer velejar comigo. Lembrei do dia que virei com o Roberto, e fui fazendo o passo a passo. Entrei embaixo do barco, soltei o cabo do pau. Subi no barco e puxei a bolina pra cima. Nos penduramos e o barco foi desvirando, devagar como o snipe desvira mesmo.
Pedi pra Paulinha segurar numa borda enquanto eu ia pra outra. Empurrei o pau pra dentro e subi no barco.
Vi Roberto e Humberto no bote e chamei eles, pra mim o dia tinha acabado.
Eu não sabia ainda, mas a Paulinha tinha deslocado o ombro. Dá pra ver na primeira foto que ela já estava sentindo dor antes da gente virar.
Puxei a Paulinha pra cima pelo colete. Ela pediu pra ir no bote e o Humberto veio comigo na proa pra levar o barco de volta pro clube.
O corpo todo tremia de frio, a cabeça só pensava nela: será que estava bem? Será que teria alguém pra socorre-la no clube? Regra número um quebrada no primeiro dia. Tristeza.
Cheguei no clube ela estava sentada num banquinho aguardando socorro, alguém que colocasse o ombro no lugar. Humberto cuidou dela enquanto eu subia o barco pro hangar.
A Renata Bellotti, fisioterapia que estava velejando, chegou e ‘consertou’ a Paulinha. (A Paulinha tem frouxidão ligamentar universal, então o ombro e outras articulações saem do lugar vez por outra).
Ombro no lugar, medicamentos na mão, voltamos pro alojamento com uma sensação de que seria o fim do campeonato, porque tudo que eu não queria era machucar mais ela.
Pedimos comida, fomos dormir. Eu não dormi aquela noite, fiquei revivendo cada coisinha das regatas, repassando mentalmente tudo que tinha dado errado. Era só o primeiro dia.
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